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11/08/2020 especial

Equilibrando Pratos

A arte de liderar pessoas e gerenciar emoções em meio a crise, equilibrando os diversos aspectos que o cercam, incluindo as suas próprias emoções, para garantir a sincronia que tudo permaneça em movimento.

Com constância, firmeza, movimento e harmonia, o equilibrista ganha o aplauso do público quanto mais pratos permanecem girando em suas varetas, simultaneamente, enquanto ele habilmente gerencia cada um. E assim um líder deve agir, especialmente em momentos de crise. Equilibrando os diversos aspectos que o cercam, incluindo as suas próprias emoções, para garantir a sincronia que tudo permaneça em movimento.

Há uma diferença entre ser chefe e ser líder. Ser o primeiro não necessariamente o torna o segundo. Ambos são figuras munidas de autoridade, porém, enquanto o chefe demanda obediência, o líder emana inspiração e confiança. São os líderes que buscamos seguir, a quem recorremos para as respostas, principalmente em momentos de crise e incertezas. Nos últimos sete meses, foi necessária a emancipação de diversas lideranças, que foram colocadas à prova perante a pandemia de Covid-19, pressionadas em apresentar soluções para o desconhecido, apaziguar ânimos, sanar angústias e fornecer resultados, isso tudo sem deixar o pessimismo contagiar o emocional. Realmente, são muitos pratos a serem equilibrados ao mesmo tempo.

Administrar a própria casa tem sido um desafio, quando não sabemos o que esperar do dia de amanhã. Imagine então uma grande empresa, uma entidade com mais de 1,5 mil associados, um hospital referência para uma região ou uma cidade inteira.

Um estudo do Instituto Gallup, publicado na revista Você S/A de julho de 2020, analisou dados de períodos como a Grande Depressão de 1929, a queda financeira global de 2008 e a própria pandemia de Covid-19, e concluiu que existe um traço comum nas pessoas durante as crises: elas esperam orientação das lideranças.

Em tempos como esse, a ansiedade e o estresse são ingredientes diários. E para lidar com essa pressão enorme, é preciso ter uma boa gestão de si mesmo, antes de tudo. Não é defeito algum ser humano, e é justamente de líderes humanos que precisamos agora. Como disse Augusto Cury, “o maior líder é aquele que reconhece sua pequenez, extrai força de sua humildade e experiência da sua fragilidade”.

Conforme a psicóloga, especialista em Desenvolvimento de Líderes e Inteligência Emocional, Gabriela Cover, é preciso primeiramente cuidar de si para depois cuidar dos outros. “Cada vez mais teremos que potencializar as lideranças mais humanas, as pessoas certas nos lugares certos. Isso vai refletir na sua saúde mental, na sua qualidade de vida e na sua produtividade. É essencial ter válvulas de escape e é muito importante falar sobre os nossos sentimentos. Neste momento, tivemos que ‘vestir’ muitas coragens. E vem ganhando mais significado a importância de termos uma vida equilibrada e de cuidarmos da nossa saúde, e ela começa pela mente”, afirma.

Entender também que erros irão ocorrer é fundamental para se manter firme perante as irresoluções. “É estar disposto a falhar, ter dias difíceis e se permitir ser vulnerável. Você tem que aceitar que não vai acertar 100% das suas decisões, principalmente em algo que é novo para você. Estamos todos passando por isso pela primeira vez, e é necessário ter muita gestão da emoção. Na hora de tomar decisões que irão impactar nos sentimentos de outras pessoas, devo primeiro me conhecer. O que e como aquilo impactaria para mim e qual seria a melhor maneira de agir em relação a isso. Se você não tem autoconfiança, dificilmente terá convicção na hora de tomar decisões difíceis, como reformular uma equipe. Se nem na sua vida você tem capacidade de tomar decisões difíceis, imagine à frente de uma empresa”, indaga a psicóloga.


Liderando emoções

Autoconhecimento não é uma tarefa fácil. Quanto mais nos conhecemos, mais nos cobramos. Conforme Gabriela, o líder do passado era orientado a ‘ter’, enquanto o líder do futuro é orientado a ‘ser’. “Ter uma empresa te faz um empreendedor, ser um líder é bem diferente. Liderar pelo exemplo é a única forma de liderar. E é preciso usar esse momento de caos para aprender e observar o momento adverso como oportunidade para se fortalecer e desenvolver novas habilidades”, indica.

Pensamento compartilhado pelo empresário Nelson Akimoto, presidente da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (Acic). “A preparação prévia de tudo na vida é o grande segredo para o êxito. Várias mentes pensam muito melhor que apenas uma e diversos olhares formam uma visão mais completa. Na vida é assim, seguimos os bons exemplos. Seja o pai, o professor, o irmão ou o chefe”, reflete.

Engenheiro eletricista de formação, o empresário usa a expertise da sua profissão como metáfora para a vida, concluindo que para tudo é necessário equilíbrio. “Estamos vendo muito extremismo em cada discussão e acho que a polaridade é importante. Na elétrica, se não tiver positivo e negativo, não tenho movimento. Se não tiver diferença de potencial, não tenho circulação de corrente. Portanto, entre o negativo e o positivo, é muito importante a vibração, porque aí ocasiona o movimento. Agora, se posicionar em uma ponta e ficar parado é danoso. Então o extremismo é prejudicial. Polaridade é movimentar para dar equilíbrio”, exemplifica Akimoto.

A entidade possui mais de 1,5 mil associados, sendo responsável por traduzir as necessidades das empresas que representa, e estar na liderança da Acic é uma grande responsabilidade, como pontua seu presidente. “Muitas vezes, somos cobrados para movimentar que determinado setor volte às atividades. Sempre retruco: ‘você quer voltar, tudo bem, mas me diga como. O que você pode fazer para tornar a sua empresa mais segura?’. Aí sim, quando solicitamos a volta de alguma atividade, apresentamos a proposta com as condições que iremos arcar também. Temos que propor soluções e ajudar. Nunca peça apenas um pires, mas mostre no que você pode contribuir para voltar com um prato cheio”.

Ao ver de Akimoto, um líder deve ser um positivista e batalhar junto com a sua equipe para que ela permaneça motivada e com propósito. “Devemos trocar a pandemia pela empatia, a crise pela inovação e o medo pela esperança. Esperamos passar por esse momento difícil melhores, com mais aprendizado. Posso sair economicamente mais fraco, com o saldo mais baixo, mas muito mais forte para me recuperar. Passaremos pela crise e vai ficar o aprendizado que tiramos dela”.


Preparação diária

Devemos nos respaldar em dados e nos preparar para as adversidades da melhor maneira possível. É o que pensa o médico Hugo Noal, infectologista do Hospital Regional do Oeste (HRO) e presidente do Comitê Técnico de Enfrentamento à Covid-19 de Chapecó. À frente desse grupo, representando as diferentes esferas que englobam a saúde do município, auxilia no lançamento de ações que podem ser aplicadas à comunidade. “Discutimos desde os cuidados com o isolamento social, as medidas protetivas, a comunicação com a população, liberação da abertura de ações visando horários e toda essa sequência. A luta ainda não acabou. O nosso trabalho é contínuo”, conta o médico.

O planejamento de Noal não iniciou com a chegada do novo coronavírus a Chapecó, mas ainda em 2019, antes mesmo da Organização Mundial da Saúde (OMS) constituir o surto da Covid-19 como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O infectologista explica que, por determinação legal, todo hospital precisa ter um Serviço de Controle de Infecção Hospitalar para executar funções e tarefas a fim de prevenir infecções que possam surgir pelo trabalho. “Acompanhamos o que acontece pelo mundo e, quando saiu o primeiro boletim da OMS sobre a Covid-19, em dezembro do ano passado, já estávamos nos preparando e organizando para quando esse vírus chegasse ao Brasil. Quem era esse agente, quais as suas características, como estava se comportando, se já tinha algum tratamento e como seriam as medidas de contenção dessa infecção quando chegasse em Santa Catarina, especificamente em Chapecó”.

Os preparos não foram apenas pensando nos pacientes. O HRO possui 1.032 funcionários responsáveis por atender uma população de 1,3 milhão de pessoas – abrangendo os municípios da região Oeste catarinense, Sudoeste do Paraná, Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul. “Ambiente, exames, biossegurança, materiais, tudo que fosse necessário, além dos equipamentos de proteção individual (EPIs) e treinamentos de como usá-los. Já acompanhávamos os boletins e trocávamos informações com outros grupos especializados, inclusive de outros países, vendo como a doença estava se comportando lá, consultando serviços de referência e, ao mesmo tempo, á organizávamos os nossos processos, pois mudou toda a rotina hospitalar”, relata.


A verificação do estado dos pacientes permite separar quem realmente precisa de acompanhamento hospitalar daqueles que podem ser monitorados à domicílio ou os que precisam de uma supervisão ambulatorial mais frequente. “Pelo número de casos identificados, se esperaria que a nossa mortalidade estivesse mais alta, mas não está. E a união de todos os profissionais da saúde pública foi essencial, o grupo se tornou coeso. Essa pandemia mostrou muitas coisas e a mais importante delas foi a união e determinação dos grupos na condução do processo”, reflete.

O aumento progressivo da doença preocupa. Ao fechamento desta edição (1 de agosto), Chapecó era a terceira cidade catarinense com maior número registrado do novo coronavírus, com 4.430 casos confirmados e 21 óbitos, atrás apenas de Joinville e Blumenau. Santa Catarina possuía 86.922 casos confirmados e 1.154 mortes registradas pela doença.

Enquanto alguns fazem malabares para manter os pratos equilibrados, outros parecem apenas desejar que eles se quebrem. “Ainda vai aumentar muito o número de casos. Não chegamos no pico ainda. É só sair no fim de semana em Chapecó para ver que, mesmo com as medidas estabelecidas, as pessoas não estão mais respeitando. E isso repercute diretamente no número de internações que temos progressivamente maior. E a quem buscaremos ajuda, se a situação ficar pior? Porque a prefeitura e o hospital têm um limite de profissionais, equipamentos, medicamentos e leitos. Desse limite não temos como passar. Isso já não mais depende da gente. E espero que as pessoas entendam isso”, preocupa-se o médico.

A falta de sensibilidade daqueles que não assimilaram a gravidade da situação coloca ainda mais pessoas em risco. A crescente nos números fez a Administração Municipal decretar novas medidas restritivas, especialmente para bares, restaurantes e similares, para evitar aglomerações, e suspender o transporte coletivo por 14 dias.

Cada decisão que afeta a vida de centenas de milhares de pessoas não é nada fácil de tomar. Lidar com essa responsabilidade e o que ela causa ao equilíbrio emocional, deve ser ainda mais difícil. O prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, acredita que ter foco e clareza de onde quer chegar é fundamental para o enfrentamento de qualquer crise, sem jamais esquecer que nada é feito sozinho. “Quando você adquire a condição, através de uma eleição, de exercer o poder, você sentado na cadeira do prefeito, por si só, não faz nada. É preciso entender quem são os atores que podem te ajudar a fazer a melhor peça. O maior desafio, enquanto prefeito, é mediar essa crise e priorizar o que preservar. O meu foco é em preservar a vida”, afirma.

Minimizar o sofrimento alheio é tarefa constante e existem muitos sofrimentos em meio à pandemia. Da saúde à economia, não tem uma esfera que fica de fora da equação. “O exemplo mais trágico é o caixão, a morte, mas tem também o pai de família que é diarista, que trabalha de dia para comer de noite, e sem o trabalho ele começa a definhar. Isso também é um sofrimento que temos que enxergar. E como vamos flexibilizar, voltar as atividades normais de aulas, políticas de inclusão ao idoso, como vou voltar com o Bandejão e oferecer 1.700 refeições diárias, sendo que mais de 30% dessas pessoas são idosos?”, indaga o prefeito.

O Programa Escola da Inteligência é um programa educacional que busca desenvolver a educação socioemocional no ambiente escolar. A metodologia é fundamentada na teoria da inteligência multifocal, que analisa o funcionamento da mente, os fenômenos que constroem pensamentos e emoções, e fornece técnicas para a formação de pensadores e competências para o desenvolvimento pessoal, social e profissional. Para receber os 23 mil alunos na volta às aulas, neste ano ainda mais desafiador e de muitas emoções, todos os professores das 84 instituições de ensino de Chapecó participaram de um curso da Escola da Inteligência.

Todas essas preocupações orbitam na cabeça do mediador, que também é humano e não desliga quando chega em casa e coloca a cabeça no travesseiro. “Essa pressão não é a mais difícil de enfrentar, pois quando você se alia a critérios e planejamento, você sabe para onde está indo. A nossa primeira preocupação foi traçar um plano, ainda em janeiro, para quando a doença chegasse aqui. Um caminho técnico e científico para que a Covid-19 trouxesse o menor sofrimento possível a Chapecó. Por isso comunicar tudo o que fazemos e porquê fazemos é tão importante. É um tema difícil de ir para a boca de um político, falar em mortes, enterros, doença, número de leitos. É difícil, mas é a nossa missão. Gostaria muito de estar falando de obras e flores, mas preciso estar conectado ao momento que vivemos, não posso alienar e negar a existência de um fato desses”, reflete.

Para Buligon, ser útil neste processo pandêmico é desafiador e é preciso administrar a si mesmo antes de administrar uma cidade. “É muito importante manter o equilíbrio emocional. Estamos na Era da Pedra, no que tange a gerenciarmos as nossas emoções. Nós tivemos uma perda coletiva que impactou muito com o acidente aéreo da Chapecoense, em 2016, e lá a nossa sensibilidade aflorou e percebemos que essas perdas individuais aconteciam todos os dias. E criamos, dentro da área educacional, a Escola da Inteligência, um convênio com o Augusto Cury, em 2018. Assim, começamos a trabalhar o luto como uma política pública de saúde. Como já vínhamos nessa prática, neste ano criamos o Serviço de Escuta e Acolhimento, para ajudar a gerir a emoção da cidade. Fortalecer essas pessoas é equilibrar emocionalmente o município”, conclui.

O Serviço de Escuta e Acolhimento conta com oito psicólogos da Rede Municipal de Saúde, como um serviço é de escuta qualificada por telefone e oferece orientações e possíveis encaminhamentos para cada caso. De acordo com a Coordenadora de Saúde Mental de Chapecó, Luciana Bertaso de Azevedo, para a maioria das pessoas, lidar com a instabilidade emocional causada pela pandemia de Covid-19 não tem sido uma tarefa fácil. Por isso, esse serviço foi pensado para oferecer atendimento visando diminuir ou evitar o agravamento dos casos de saúde mental. “É um serviço destinado às pessoas que se sintam impactadas emocionalmente por este momento e que necessitem de escuta e orientação”, comenta. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, pelo telefone (49) 3321-0030. Até o dia 31 de julho, 1.549 ligações foram atendidas.

AUTORA

Carol Bonamigo

Jornalista, especialista em Cinema e Realização Audiovisual, Diretora de Jornalismo e sócia da revista Flash Vip
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