Síndrome do esgotamento profissional passou a ser reconhecida pela OMS. Saiba os direitos do trabalhador
Entrou em vigor, em janeiro deste ano, a 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre as mudanças está o detalhamento da Síndrome de Burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, que passa a ser reconhecida como doença ocupacional.
Em meio a tantas transformações ocasionadas pela pandemia de Covid-19 – entre elas a maior adesão ao trabalho híbrido ou completamente remoto, mesmo após o fim dos períodos de isolamento social –, o reconhecimento desta síndrome como doença do trabalho traz um novo olhar sobre como a falta de limites entre vida pessoal e profissional pode afetar a saúde mental e física das pessoas.
Entretanto, a inclusão do Burnout na CID não é algo que passou a ser discutido somente a partir da pandemia. Apesar de entrar em vigor somente neste ano, esta revisão foi feita pela OMS ainda em maio de 2019. Mas o que isso significa? Este é um assunto já abordado na reportagem especial da edição #88 da revista Flash Vip: “Combustão Completa”, que a gente atualiza por aqui.
A Síndrome de Burnout é caracterizada por esgotamento físico e mental crônicos, e pode ser desencadeada por situações de estresse ligadas à rotina de trabalho. O termo vem do inglês to burn out (queimar-se por completo), e foi abordado pela primeira vez pelo psicanalista alemão radicado nos Estados Unidos, Herbert Freudenberger (1926-1999). Desde então, com a popularização da internet, a cada vez mais rápida digitalização das rotinas de trabalho e a possibilidade de estarmos conectados a todo o mundo o tempo todo, o número de casos e a discussão em torno do problema só tem aumentado. Segundo a Folha de S. Paulo, após pouco mais de um ano de pandemia, as buscas pelo termo “burnout” na internet aumentaram 122%.
Ansiedade, depressão e estresse também estão no topo das buscas. São transtornos que estão ligados ao esgotamento causado pela Síndrome de Burnout. Outros sintomas conhecidos são dores articulares e nas costas, insônia, doenças alérgicas, queda de cabelo, candidíase, enxaqueca e problemas gastrointestinais, como explicou o médico psiquiatra Lúcio do Amaral à FV.
“As pessoas comentam ‘minha imunidade está baixa’, como se fosse algo normal de acontecer. Esse é o maior alerta dentro da gente. É o nosso corpo nos dizendo que devemos desacelerar. E geralmente, esses indivíduos têm prazer no trabalho, então demoram a perceber que é a causa dos problemas”, alertou Lúcio, pontuando que os maiores índices de Burnout são entre pessoas que trabalham com relações interpessoais levadas ao extremo, como profissionais da comunicação, saúde, segurança e educação.
Com o reconhecimento da Síndrome de Burnout como doença do trabalho, que agora passa a ser definida como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso” e ter o código QD85, estão previstos os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários que outras doenças. O trabalhador diagnosticado com a Síndrome agora tem direito a licença médica remunerada por período de até 15 dias de afastamento.
Em casos que demandam tempo maior de desligamento do trabalho, o empregado tem direito ao auxílio-doença acidentário pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que prevê estabilidade provisória. Ou seja, após a alta pelo INSS, o trabalhador não poderá ser demitido sem justa causa até 12 meses após o período do auxílio-doença acidentário. Nos casos mais severos, onde há incapacidade total de trabalhar, o empregado agora tem direito a aposentadoria por invalidez, caso a necessidade seja confirmada pela perícia médica do INSS.
Entretanto, o diagnóstico para a Síndrome de Burnout depende, também, da abertura que o paciente dá ao médico em relação aos seus sinais e sintomas, e a percepção que ele tem das suas origens. “Eles têm vergonha em admitir a sobrecarga, para não parecer que não dão conta do trabalho, e assim não reconhecem a necessidade de ajuda profissional”, contou a enfermeira Patrícia Grando, pós-graduada em Enfermagem do Trabalho, Gestão de Pessoas e Gestão Hospitalar.
Segundo ela, a responsabilidade não cabe apenas ao paciente. As empresas, especialmente os setores de Recursos Humanos, devem estar atentos aos sinais que afetam as condições de saúde laboral, como produtividade, rotatividade (a saída constante de funcionários), absenteísmo (falta repetida de funcionários, atestados e afins) e o clima da empresa. O médico do trabalho Paulo Fett Neto explicou que, se identificado o Burnout, deve ser melhorada a condição de trabalho dessa pessoa. “Normalmente é uma mistura, com componentes de outras patologias, e há muitos casos não notificados. Às vezes, precisamos de vários encontros e ajuda multidisciplinar, com psicólogos e psiquiatras, para chegar à conclusão precisa”.
Tão árduo quanto identificar a Síndrome, muitas vezes também é o tratamento. Roberto (nome fictício), policial há sete anos à época da reportagem, não percebeu quanto o excesso de responsabilidade da sua função carregou o seu emocional. “Acontece aos poucos. Você não cuida, não percebe e, quando assimila, se nega a acreditar que aquilo está acontecendo e te fazendo mal”, relembrou o policial, que afirmou sentir uma angústia tão grande que a única saída que via para a sua dor era a morte: “Até o ponto de estar com a minha própria arma, apontada para a minha cabeça”.
A cogitação do suicídio foi o ponto crítico para procurar ajuda. Ao apresentar o laudo que confirmava o diagnóstico de Burnout, sua arma foi retirada e ele foi imediatamente afastado de suas funções para iniciar o tratamento. Dois anos depois, a trajetória não foi fácil, mas Roberto conseguiu voltar ao trabalho em outro setor, mas com medo constante de uma recaída. “O caminho a percorrer é tão longo quanto o tempo que você ficou inerte. O fim do seu problema não está em uma dose de remédio ou em um conselho do psicólogo. Está em você. É um dia de cada vez”, reforçou o policial a quem estiver passando por algo parecido: busque ajuda.
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Revista Flash Vip, contando histórias desde 2003.