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07/05/2020 internacional

O que o Brasil tem a ver com a OMS?

Desde que começamos a ouvir falar sobre uma tal de COVID-19 passamos a ouvir muito também sobre a Organização Mundial de Saúde.

Já nas primeiras notícias, que proclamavam uma doença perigosa e altamente contagiosa que ocorria na China, foi possível observar o papel de intermediação na comunicação que a Organização Mundial da Saúde (OMS) exercia, alertando os demais países acerca do potencial do problema.

Foi assim, em 30 de janeiro de 2020, quando a OMS declarou a doença respiratória aguda COVID-19 uma emergência global, devido a sua capacidade de disseminação mundial. Na época, a preocupação era que o vírus surgido na cidade de Wuhan pudesse avançar com rapidez para outros países.

Em 11 de março de 2020, ocorreu a elevação do status da doença, que foi declarada pela OMS como uma pandemia, o que significou a amplificação do reconhecimento de que a doença representava um risco para outros países e exigia uma resposta global coordenada. Desde então, esta organização internacional tem se mostrado essencial para a condução coordenada do problema, já que uma de suas atribuições é promover assistência técnica e a comunicação entre os estados-membro, de modo que no momento em que uma determinada crise de saúde aparece em um país, os outros possam se manter informados acerca do que está acontecendo e busquem alternativas conjuntas.



A ideia de pensar a saúde pública a partir de uma perspectiva internacional ou mundial não é exatamente nova, a primeira iniciativa aconteceu em 1851 na Conferência Sanitária Internacional que ocorreu em Paris. O que levou os países europeus, naquele momento, a realizar um debate coordenado sobre saúde foi uma pandemia de cólera.


Por que é organização mundial e não internacional de saúde?
O termo 'internacional' normalmente tem a conotação de envolver apenas Estados, a ideia de se fazer uma organização mundial revela a intenção de que os debates e o alcance sejam amplificados, envolvendo toda a população mundial. É importante registrar também que a OMS, assim como a ONU, não podem ser considerados poderes soberanos autônomos, já que são atores internacionais que representam a vontade coletiva dos Estados, estes sim soberanos.


Foi no início do século XX que surgiram as iniciativas mais concretas de organizações internacionais sobre o tema saúde. Em 1907 foi criado o Escritório Internacional de Higiene Pública – OIHP e em 1919, no contexto do pós Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações criou dentro de sua estrutura a Organização da Saúde, porém, estas duas organizações estavam territorialmente restritas ao continente europeu.

A OMS, como conhecemos hoje, foi criada após a Segunda Guerra Mundial, a partir da constituição da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1945, na qual foram pensadas, em sua estrutura, vários organismos internacionais voltados para alguns dos temas mais importantes daquela época.

Foi neste contexto que a República da China (antes da revolução), a Noruega e o Brasil propuseram a criação de uma organização vinculada à ONU para lidar com a saúde internacional naquilo que veio a se concretizar, em 7 de abril de 1948, com a Constituição da OMS (esta data passou a ser comemorada como Dia Mundial da Saúde). Atualmente, a OMS conta com 194 Estados-membro, tem sede em Genebra – Suíça e seu Diretor Geral é o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus.


O papel da OMS agora

O protagonismo da OMS, neste momento, se justifica justamente pelas razões de sua existência, já que ela possui, dentre seus objetivos, estabelecer padrões internacionais e linhas de ação para tratamento de problemas transfronteiriços, promover a transferência de tecnologia e a difusão do conhecimento acumulado por meio de experiências produzidas nos países membros, desenvolvendo trabalhos de cooperação internacional, o que é indispensável no momento que vivenciamos uma pandemia, que é justamente a ideia de uma doença que se espalha ao mesmo tempo em todas as partes do mundo.

Sem adentrar aqui na polêmica dicotomia daqueles que defendem o fortalecimento do multilateralismo ou seu enfraquecimento em favor do nacionalismo, parece até intuitivo que uma postura isolacionista e não colaborativa de um Estado (no auge desta que pode ser a crise mais aguda que a nossa geração irá presenciar), não lhe renda muitas vantagens na tomada de decisões e na execução de políticas públicas locais, esta é uma postura até mesmo inusitada, considerado a sociedade irreversivelmente globalizada que vivenciamos.



No que diz respeito a atual relação do Brasil com a OMS, pode-se dizer que não estamos em uma boa fase.

O país que já ocupou papel de destaque nesta organização internacional – já que participou ativamente de sua criação e historicamente liderou os debates relacionados a quebra compulsória de patentes de medicamentos, culminando na possibilidade de uso de genéricos (o que amplificou sobremaneira o acesso a medicamentos), e também teve suas campanhas de vacinação nacionais servindo de modelo para outros países dada a capacidade de cobertura e efetividade – foi deixado de fora de uma importante aliança entre OMS e diversos líderes mundiais.

A iniciativa tem por objetivo a articulação e concentração de esforços para acelerar o desenvolvimento e produção de medicamentos, testes e vacina para a COVID-19 e, principalmente, para garantir distribuição e acesso igualitário ao tratamento que venha a ser descoberto, e o Brasil não foi convidado a participar das discussões.


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No dia 24 de abril de 2020, ocorreu o primeiro encontro (virtual), no qual foi anunciado um fundo de R$ 45 bilhões e firmado o compromisso entre os países e instituições presentes de que qualquer tratamento ou vacina que seja criada será alvo de um esforço internacional para disponibilização a todos os países.

Na mesma semana, chamou a atenção da OMS a recusa do governo brasileiro em se somar aos co-patrocinadores de uma resolução na ONU que, entre outras coisas, reconhecia o papel central da Organização Mundial de Saúde na resposta contra a pandemia. O gesto foi tomado depois de uma pressão do governo americano para que seus aliados (Brasil, Hungria e Austrália) se distanciassem da iniciativa apresentada e apoiada por 179 dos 193 países membros da ONU.

Sim, ainda tem aspectos relacionados a postagens em redes sociais de lideranças políticas e diplomáticas brasileiras que são tão vergonhosas e deselegantes que me recuso a reproduzir aqui.

Não é que o Brasil não terá acesso ao tratamento ou vacina para COVID-19 quando viabilizados, não é este o caso. O que chama atenção é, no mínimo, o desprestígio internacional do país, justamente no momento que passamos por uma crise mundial sem precedentes, cujas reverberações sentiremos por décadas.

AUTORA

Fernanda Candaten

Colunista convidada da FV, é Mestre em Direito, Servidora Pública por profissão, preocupada com o futuro do planeta por opção, leitora por diversão.
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