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16/06/2021 guia cultural

Vida e obra de Félix

A história de um poeta nômade.

Existem histórias que quase ficam de fora da História. É o caso de Félix Peyrallo Carbajal (1913-2006). Poeta, filósofo, professor, construtor de relógios de sol, viajante e nômade. Félix se ocupou em caminhar e conversar, deixando num segundo plano a guarda de suas memórias. E talvez aí esteja uma sabedoria premonitória do louco Félix: sua trajetória pode bem ser um ensaio poético-político sobre a fuga, de como se tornar invisível às esferas de controle.

Félix levou uma vida em constante deslocamento por um (des)território que inclui o Uruguai como local de nascimento e o Brasil como sepulcro. Está enterrado na cidade de Lages, no planalto central de Santa Catarina. Entre um e outro, Espanha, França, Cuba, Argentina, Paraguai, México, Estados Unidos foram alguns dos países frequentados por Félix. Em suas passagens, costumava realizar conferências caleidoscópicas sobre temas como poesia, filosofia e matemática, embriagar-se e, quando deixavam, erguia relógios de sol. 

Sim, foi o construtor de objetos escultóricos anacrônicos, que se tornaram arte pública, que ele erguia em locais estratégicos das cidades. É espantoso saber na mesma época em que o ser humano marca o tempo com a precisão digital de milésimos, um poeta perambulava por aí vendendo relógios de sol às municipalidades. Algo insólito, performático e mirabolante. Só no Brasil, são mais de quarenta, muitos deles em Santa Catarina, instalados em municípios como Blumenau, Itajaí, Palhoça e Araranguá.

Esta trajetória singular e errante acaba de ser contada em livro por Ricardo Machado, professor do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó. Ao longo de suas mais de 400 páginas, o autor nos coloca diante de outras pessoas que se encontraram e se encantaram com Félix. Há uma espécie de feitiço que incensou quem teve a sorte de cruzar com Félix. Muitos(as) dizem ter conhecido a pessoa mais fascinante de suas vidas, recordam-se da erudição e da intensidade com que vivia. 

Em uma de suas passagens pelo Rio de Janeiro, Félix foi até a porta de Manuel Bandeira e a impressão deste encontro foi registrada pelo poeta que sonhara com Pasárgada, conforme descreve Ricardo Machado: “Ao perguntar quando chegou ao Rio de Janeiro, ele responde que foi no dia anterior; quanto tempo pretendia demorar na cidade, respondeu que não sabia; do que vivia na ocasião, respondeu que vivia de mendicância. E assim o estranho visitante de Bandeira diz ter sido por toda parte por onde esteve: quando tem fome pede comida, quando tem sono pede uma cama e, se não descobrir um lugar para pouso, passa a noite inteira caminhando, pois é capaz de caminhar 25 quilômetros sem sentir fadiga. Comer e dormir não são problemas, os problemas da vida são outros”. 


Ficha técnica do livro:

Título: Félix 

Autor: Ricardo Machado 

Editora: Humana 

Ano: 2021 (29 de abril de 2021) 

Idioma: português/espanhol 

Preço de capa: R$ 79,90 

Mais informações: www.humanasebolivraria.com.br


AUTOR

Fernando Boppré

Colunista convidado da FV, é livreiro da Humana Sebo e Livraria, escritor e mestre em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina
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