A menstruação e suas diferentes formas de ser vivida.
Você já sentiu nojo da sua menstruação? Em um local público, escondeu o absorvente no caminho até o banheiro? Ficou constrangida em falar sobre o assunto com outras pessoas? Quando está menstruada, diz que está “naqueles dias”? Pode ser inconsciente, mas, em algum momento, a maioria de nós já fez algo parecido.
As mulheres cisgênero – que se identificam com o gênero atribuído a elas no nascimento – convivem com o tabu relacionado à menstruação. O fato de o assunto não ser comentado já se tornou até mesmo tema de documentário. O filme Absorvendo o Tabu, que trata sobre o acesso a absorventes e a forma como a menstruação é percebida no contexto indiano, venceu o Oscar de melhor curta-metragem em 2019. No Brasil, os problemas causados pela falta de diálogo quanto à menstruação alcançam questões relacionadas aos direitos básicos femininos. Uma pesquisa realizada pela Sempre Livre em 2018, apontou que 26% das mulheres brasileiras com idade entre 15 e 17 anos não têm acesso a absorventes. Ao passo que, na Escócia, a intenção de democratizar o uso de produtos utilizados durante o período menstrual tornou-se lei. A iniciativa possibilita o acesso gratuito a absorventes por pessoas que antes não tinham condições de adquirir o produto.
A psicóloga Karise Woiciechoski acredita que a forma como as mulheres veem o período pode estar ligada a uma herança negativa do conservadorismo religioso, no qual a sexualidade das mulheres não é um assunto falado, assim como seus fluxos e ciclos naturais.
“Nossas mães, avós e até muitas de nós mesmas, da geração atual, não recebemos informações sobre a nossa menstruação. Lembro que a minha mãe dizia, por exemplo, que essa era a vergonha da mulher. Tratava isso como algo que deveria ser escondido”, ressalta a psicóloga, que acredita quando trata-se da Tensão Pré-Menstrual (a temida TPM), que as pessoas associam como algo que altera as mulheres, deixando-as instáveis e indispostas.
Karine Bolsoni, de 21 anos, diz que a existência da TPM não deve ser questionada, já que é algo comprovado pela ciência. A moradora de São Miguel do Oeste (SC) faz uso do anticoncepcional há seis anos e afirma que antes dele a TPM era uma questão mais complicada de lidar. “Eu fico irritada, sim. Antes de tomar o anticoncepcional era muito pior. Hoje, nos dois dias anteriores, fico estressada com a faculdade, em casa, dá vontade de gritar e chorar, mas isso são só uns dois dias”, comenta. No último ano, a relação que Karine estabeleceu com seu ciclo menstrual mudou. A estudante de Direito passou anos de sua vida utilizando absorventes descartáveis externos ou internos e isso a deixava muito incomodada, já que o material causava alergia em seu corpo. Há alguns meses, ela utiliza coletor menstrual e absorventes reutilizáveis. A forma como vê e convive com a menstruação mudou enquanto pesquisava sobre os produtos, que foram algumas das alternativas recorridas quando o desejo por deixar o absorvente convencional chegou. Para muitas mulheres, esses materiais utilizados durante o período menstrual podem causar estranheza por serem diferentes dos que estão acostumadas a usar. Para outras, eles são uma forma de abraçar e conhecer o seu ciclo.
Dentre as experiências que o coletor menstrual proporcionou para Karine, uma delas foi o ato de “plantar a lua”, um ritual no qual mulheres diluem em água o sangue da sua menstruação e o depositam na natureza. Quando comprou o produto, junto dele veio um pacote de papel com sementes para serem plantadas como uma forma de incentivo para que ela iniciasse a prática. A Pantys, empresa que vende calcinhas absorventes, traz informações em seu site sobre plantar a lua, onde explica sobre as possíveis origens do costume, ligadas à era paleolítica e também às mulheres indígenas da América do Norte, México e Peru. O ato é considerado uma forma de conexão com a natureza e com o próprio corpo, além de um meio de ressignificar o modo como lidam com a menstruação.
Assim como Karine, Luiza Junqueira, de 28 anos, utiliza o coletor menstrual. Ela mora em São Paulo (SP) e fala abertamente sobre menstruação em suas mídias sociais. Se descreve no Instagram como “Comunicadora, Audiovisueira e Criativa”.
A produtora de conteúdo comprou o coletor pela primeira vez há sete anos em um intercâmbio que fez na Inglaterra.
“Eu usava absorvente interno descartável. Ele acaba absorvendo os nossos líquidos naturais. O coletor, como é de silicone, só coleta o sangue. Então acho que, pro meu corpo, faz muito mais sentido”, explica.
Outro ponto que a fez decidir pelo uso do coletor menstrual foi que, com o método, estaria reduzindo sua produção de lixo.
Quanto ao trabalho na internet, ela trata de questões que estão “engasgadas em sua garganta”, que tem o desejo de compartilhar com outras pessoas. Luiza ainda está no processo inicial de conhecimento do seu próprio ciclo, mas sente a necessidade de falar para outras pessoas sobre questões que aprende. Assim como Karine, ela também pratica o ritual de plantar a lua. “Dessa forma crio uma conexão com a minha menstruação, com as minhas plantas. Eu me sinto nutrindo a natureza e sendo nutrida por esse ritual, é muito legal”, explica. Em suas redes, Luiza publicou um vídeo no qual fala sobre o processo e recebeu vários ataques após um youtuber com muitos seguidores reagir negativamente ao conteúdo.
Ela conta que entre os comentários no vídeo, mulheres que afirmaram que nunca iriam fazer algo parecido, também acharam legal a forma como Luiza fala sobre menstruação. “As pessoas vinham com respeito, porque eu acho que os corpos que menstruam respeitam a menstruação. Por mais que a gente tenha sido desconectada disso por séculos, lá no fundo da nossa alma entendemos que aquilo faz parte da gente”, expressa.
Não são todas as mulheres que encontram na menstruação uma filosofia de vida. Para muitas, o conforto está no ato de não menstruar. A moradora de Chapecó, Isabela Pasin, de 21 anos, explica que interromper a menstruação foi uma escolha tomada ainda na adolescência, aos 16. A estudante de Engenharia Civil menstruou pela primeira vez aos nove anos e conviveu com a menstruação de forma dolorosa, com cólicas fortes que acarretavam em vômitos e desmaios. Além disso, tinha um fluxo intenso.
Com o acompanhamento de um ginecologista, ela conta que já interrompeu a menstruação por quase um ano. Atualmente, faz uma pausa no uso do anticoncepcional a cada três meses. Isabela já tentou substituir o método, mas seu corpo não se adaptou. “Tentei mudar de anticoncepcional, tentei usar o DIU (dispositivo intrauterino), só que meu corpo expulsou e não pude mais utilizar. Sei de todos os malefícios que o anticoncepcional pode causar, mas preferi continuar com ele porque a minha opinião sobre menstruação não mudou em nenhum momento”, afirma.
De acordo com o Ministério da Saúde, o uso contínuo de anticoncepcionais que contêm drospirenona, gestodeno e desogestrel pode facilitar o desenvolvimento de tromboembolismo venoso. A ginecologista e obstetra Simone Batisti Giroldi, explica que não menstruar também pode trazer benefícios. “Para algumas mulheres, interromper a menstruação melhora a TPM e a dor de cabeça. As maiores buscas por não menstruar são neste sentido”, explica.
A médica aponta que a sociedade ainda não sabe lidar com o período, porém, percebe que as mulheres estão em busca de conhecimento sobre saúde menstrual e incentiva o processo de naturalização da menstruação.
“Cada mulher tem suas particularidades e é necessário respeitar a individualidade de cada uma. Noto o crescimento de quem vê na menstruação uma filosofia de vida e uma forma de renovação. 'Viver a menstruação' é um ato de autoconhecimento”, aponta Simone, reconhecendo que cabe à mulher ter a liberdade de escolha.
Isabela afirma que passou pelo processo de naturalização da menstruação e que percebe a falta de conversa entre as pessoas quanto ao tema.
“A gente ainda tem um tabu muito grande em relação a isso, não pode falar abertamente com qualquer um, principalmente com mulheres. Isso é muito, muito errado. Para mim, isso é algo que tem que ser combatido. A menstruação tem que ser falada, não pode virar um tabu, ela precisa ser respeitada independente de sua decisão, você tem que entender como funciona e, a partir disso, decidir se quer conviver com ela ou não”, afirma.
Vivenciar o período menstrual é uma escolha de cada pessoa e o modo como a menstruação é percebida depende de como se é condicionada a senti-la. Por isso, o conhecimento a respeito do tema é necessário para que escolhas possam ser feitas da forma mais tranquila possível. Afinal, o importante mesmo, é que cada corpo seja feliz e saudável da forma como desejar.
Parte da nossa enquete nos stories da @fvnasredes abria espaço para nossas seguidoras tirarem suas dúvidas sobre o coletor menstrual e nós pedimos para a ginecologista Simone Giroldi responder algumas delas.
*Reportagem Laura Fiori, estagiária FV
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