Estamos diante da partida abrupta do pai da escritora. E que se destaque: não se tratava de uma figura paterna qualquer, muito menos de um cidadão comum
Como lidar com a morte de quem amamos? Este enigma atroz é tema recorrente à literatura – mas não apenas a ela, também às religiões, artes e filosofias. Tatiana Lazarotto, autora nascida no Oeste de Santa Catarina, encara esta situação trágica em seu romance autoficcional.
Em Quando as Árvores Morrem estamos diante da partida abrupta do pai da escritora. E que se destaque: não se tratava de uma figura paterna qualquer, muito menos de um cidadão comum. Elio Maria Lazarotto – protagonista desaparecido e para quem o livro é dedicado – era o Papai Noel do Brasil. Levou sua profissão a sério: respondia a milhares de cartas (ao longo dos 30 anos que atuou, recebeu 1,5 milhão de cartas e chegou a ter um CEP exclusivo); virou selo dos Correios; fez aparições espetaculares a bordo de helicópteros. Ao falecer, seu obituário foi publicado na Folha de São Paulo.
Fora essa espantosa dedicação ao ofício, era um sujeito absolutamente engenhoso e catalisador da vida em família com sua vitalidade, presença e modo de viver poético. Sua morte desencadeia o retorno da filha à cidade natal e uma série de reflexões sobre estar de volta à cidade interiorana. Mais do que falar sobre o pai, o que está em jogo neste excelente livro é o processo de luto: “Muito se fala sobre os dias após a morte, pouco se fala sobre os dias seguintes aos dias seguintes”.
Há um elemento que torna tudo ainda mais difícil: uma carta endereçada à filha que deveria ser aberta apenas após a morte do pai. “Filha, é possível que o sol se ponha mais cedo” (não vou contar mais detalhes porque sei que vocês irão querer ler o livro sem saber os spoilers). Outra potência da história é a presença de uma protagonista vegetal: a árvore em frente à casa que ele tanto amava: “Meu pai havia se transformado em muitas coisas, mas só agora percebo que seu impulso era virar árvore”. Sim, de um modo sofisticado, compreendendo a relação dos seres humanos com as espécies companheiras – utilizando aqui a expressão de Donna Haraway e aproveitando para recomendar esta pensadora fundamental para a atualidade – a árvore se torna um dos epicentros da narrativa.
A leitura é fluída, o dizer sincero: elementos para uma boa experiência literária. Uma chance para se conhecer o que há de melhor sendo escrito por autoras em nosso entorno. Há um risco eminente de choro (as lágrimas verteram enquanto eu lia) mas, ao final, você chegará a um sentimento genuíno sobre a perda e a força para seguir em frente.
Tatiana é nascida em São Lourenço do Oeste mas, há anos, vive e trabalha em São Paulo. No dia 3 de junho, receberemos a autora em Chapecó para uma sessão de autógrafos e uma conversa sobre o livro, publicado pela editora Claraboia, na Agenda Cultural da Humana Sebo e Livraria. Dá tempo para você ler e vir conversar com a escritora.
Fernando Boppré
Colunista convidado da FV, é livreiro da Humana Sebo e Livraria, escritor e mestre em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina