O novo livro do escritor radicado em Chapecó, Eduardo Sens, narra a história de Domingo José Moretti, um idoso, que é pressionado por uma empreiteira para ceder sua antiga casa em troca de apartamentos a serem construídos na fictícia cidade Santa Bárbara.
Ao primeiro olhar, se tivermos contato somente com essa sinopse, poderíamos dizer tratar-se de uma história corriqueira em cidades que passam por um processo intenso de modernização, e ainda, que o enredo já foi explorado pelo filme Aquarius, dirigido pelo Kleber Mendonça Filho (2016). Isso em parte é verdade. As duas obras são histórias a respeito da face mais visível da ideia moderna de progresso como destino manifesto da humanidade.
Aquarius e Domingo são histórias de personagens que desafinam o coro dos contentes e dão visibilidade ao desconforto daqueles que perceberam que o mundo que amavam está ruindo. Mas, se há elementos que aproximam o filme de Kleber Mendonça com o livro de Eduardo Sens, existem outros que os distanciam completamente. O assédio da especulação imobiliária e o debate sobre a materialidade da memória são os mesmos, no entanto, o personagem Domingo reage de maneira completamente diferente da jornalista Clara, interpretada pela atriz Sônia Braga. Enquanto ela escolhe resistir e opta em ser um consciente incômodo para os empreiteiros, Domingo reage de uma forma totalmente plácida.
Isso ocorre porque Eduardo Sens escolheu contar a história de um homem comum. Domingo não carrega consigo nenhum traço heroico, sua simplicidade é extrema, porque ele faz parte daquela estirpe de homens bons que não querem incomodar ninguém, não querem dar trabalho.
Mas o seu sofrimento nos afeta porque sua resistência é melancólica. O que ele busca é somente manter as coisas no lugar em que sempre estiveram. Contudo, desde muito cedo, o narrador nos avisa que aquele mundo do caminhar sobre a aspereza das calçadas de lajotas vermelhas está prestes a desmoronar e não há muito o que se possa fazer. Quando Domingo resiste, sua resistência é desesperada. Sua reação é um surto de desespero sustentado na completa inconcretude, porque a realidade não apresentava mais possibilidades de que algo poderia ser feito. Talvez seja por isso que Domingo nos toque tão profundamente. Como o personagem, nós também vivemos em um tempo em que, seja pelo desânimo, seja pela fraqueza, só encontramos a nossa voz muda no momento do discurso autorizado.
Eduardo Sens consegue narrar com uma leveza assustadoramente dolorosa o fim de um mundo. Afinal, a morte definitiva ocorre quando as lembranças a nosso respeito cessam completamente. Talvez por isso, Eduardo tenho escolhido Domingo para dar título a sua história. Para além do nome do personagem, ele parece querer recuperar a poética do único dia da semana, em que, afastados do trabalho, quando as ruas ficam vazias de automóveis, ainda conseguimos, mesmo que precariamente, sentar na varanda esperando um aceno amigável, revirar os arquivos de nossa memória e ouvir o canto do João-de-Barro.
Ricardo Machado
Colunista convidado da FV, é doutor em história, professor na UFFS e curador da Livraria Humana, em Chapecó.