Sua rotina parece familiar a você?
Você acordou hoje e, ao se levantar, segue ao banheiro, lava seu rosto e olha-se no espelho. Em seguida, segue à cozinha, prepara um café e sai ao trabalho. Lá você faz as tarefas que lhe são cotidianas com as pessoas que lhe são usuais. Esta rotina parece familiar a você? Se não, qualquer outra rotina parece familiar a você?
Pois então vamos fazer um exercício. Você acordou. Lavou o rosto. Café. Mas resolveu não ir ao trabalho. Você resolveu pegar o carro e ir até o loteamento pouco povoado da cidade vizinha, mesmo sem avisar ninguém e simplesmente ficar lá por horas. Você resolveu fazer isto por sua plena escolha.
Ou não? Ou você fez isto porque eu disse que você faria?
Esta provocação – e várias outras – você encontra em Stanley’s Parable, jogo de 2011 produzido por Davey Wreden.
Neste jogo você vive a vida de Stanley, um trabalhador em um edifício de escritórios e é responsável por digitar em um computador números que lhe são enviados periodicamente por um outro computador. Mas neste dia, os números pararam de aparecer. Seus colegas de trabalho? Todos sumiram. Seu chefe? Ele tampouco está lá. A única coisa que lhe acompanha o tempo todo, incessantemente, é um narrador. Esta voz narra cada um dos seus passos. Ao menos, os que você supostamente faria.
Aqui entra o brilhantismo deste jogo: você pode seguir o que o narrador falar. Isto te levará a um caminho no jogo. Você pode mudar o que o narrador falou e seguir por outro caminho. Isto dará sequência a outra série de eventos que podem te levar a um novo final ou… a um reinício.
Mas o reinício, talvez, já não seja o mesmo. Os destinos e variáveis são inúmeros.
Aqui paro de falar sobre o jogo porque quanto menos você souber, melhor. Aqui a ideia é que você reflita sobre as conjecturas que um jogo pode nos trazer e como você pode se engrandecer ao jogá-lo.
Quando você junta os docinhos iguais no Candy Crush, agacha e dá soco no Mortal Kombat, aperta R2 pra disparar no Call of Duty… você faz tudo isto porque o jogo te ensinou. Ele te ensinou como funciona e o que você vai conseguir com tudo aquilo.
“Oras, Angelo… mas é joguinho.” Você acordou hoje. Café. Rosto. Trabalho. A vida lhe ensinou o que você deve fazer, os caminhos a seguir e também o que acontece quando você não os segue.
Mal sabe você que você está jogando todo dia. Você também, muitas vezes, não tem o controle de tudo ao seu redor. Na vida, da mesma forma, você acredita que tem escolhas mas, talvez, não as tenha.
Apenas acho que você deveria testar Stanley’s Parable.
Mas só se você quiser.
Angelo Parisotto
Colunista convidado da FV, é professor universitário. Joga mais do que é saudável, mas menos do que gostaria.