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16/06/2021 responsabilidade social

Construída por quem AMA

Associação de Pais e Amigos do Autista de Chapecó e Região

A Associação de Pais e Amigos do Autista de Chapecó e Região é referência na orientação sobre o autismo no Oeste catarinense. 


“Eu estava pronta para ir. Então girei o cetro algumas vezes e disse: - Equestria, terra mágica. Equestria, terra minha. O portal se abriu e entrei nele. Rapidamente percebi que estava no ateliê da Rarity e antes que elas me vissem eu disse: - Hello everypony! 
- Kauana - Todas responderam. 
- Oi pessoal! Vim cumprir a promessa de buscar vocês para visitarem meu mundo”. 


Assim, a estudante Kauana Brighenti inicia o primeiro capítulo da segunda parte do seu livro Aventuras com os Pôneis Mágicos. Dona de uma imaginação que nos instiga, ela conta como, repentinamente, se vê em um espaço desconhecido nunca antes visto. E ao fazer descobertas encantadoras lá, convida seus novos amigos não humanos para conhecer o Planeta Terra. 

Ao folhear as páginas do livro da Kau, somos convidados a conhecer um mundo curioso: o dos autistas. A obra foi uma forma dela expressar como o autismo era um universo desconhecido por ela e demonstrar, através do mundo dos pôneis, como vê a vida sob uma ótica diferente. “Cada autista tem seu próprio mundo”, expõe a autora.

A história contada pela jovem foi importante no processo de compreensão dos seus pais, Jaquelina e Claudemir Brighenti, em relação às suas particularidades. Desde criança, ela tinha comportamentos diferentes dos considerados comuns para sua idade e por conta da dificuldade de acesso à informação pela família e desconhecimento do autismo por professores e profissionais da saúde, passou anos sem compreender sua condição. 

Foi em 2016 que a então psicóloga de Kauana diagnosticou o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e orientou a família a conhecer a Associação de Pais e Amigos do Autista de Chapecó e Região, a AMA Oeste. O lançamento do livro, que surgiu do incentivo de seus professores, ocorreu em julho de 2019, na sede da organização, cedida pela direção. “Todos se admiraram em como a Kau estava tranquila falando em um espaço com tanto barulho, dando tantos abraços e socializando com os demais, porque ela tem sensibilidade física e auditiva bem aguçadas, mas é porque ela se viu enxergada pelos outros”, relembra o pai.

Conhecer para compreender


Ajudar o autista de acordo com suas necessidades individuais e desenvolver conhecimento junto à sociedade, na formação de uma cultura sobre o autismo, possibilitando a plena inclusão social. Esta é a missão da AMA Oeste desde 2014. Naquele ano, profissionais que trabalhavam com a causa incentivaram pais de autistas a formar uma associação. O segundo e atual presidente, o advogado Paulinho da Silva, orientou e acompanhou a criação da entidade. 

Uma das pessoas que contribuiu para a construção e continua acompanhando as atividades, é a neuropsicóloga Rubieli Silvani Badalotti. Ela explica que o Transtorno do Espectro Autista leva no nome a palavra “espectro” justamente para englobar os diferentes níveis de autismo: leve, moderado e grave, dependendo da frequência dos sintomas. “As principais características são alterações na sociabilidade e comunicação (grande parcela não verbaliza, outros têm fala mecanizada, com ritmo diferente); dificuldade na interação com grupos iguais ou diferentes; estereotipias, sejam elas motoras ou verbais, como pulos, caminhar na ponta dos pés, ecolalia – repetição de sílabas, palavras ou frases; maneirismo na sua forma de organização; e fixação em objetos ou gostos.

Algumas crianças podem apresentar alta habilidade em determinada área do conhecimento”, expõe. A profissional ainda frisa que estas características destoam de autista para autista e são classificadas conforme a intensidade. 



“O olhar do autista é singular. É preciso ter um tratamento diferenciado e entender suas particularidades”, afirma Paulinho. E é isto que ele, que também é pai de um jovem autista, o Eduardo, busca esclarecer aos outros pais de crianças e adolescentes com TEA. “Boa parte dos familiares não aceita a condição comportamental dos seus filhos, por isso explico a necessidade de compreender a realidade do autista e buscar alternativas para oferecer uma condição de vida melhor a ele”. 

Dudu, como gosta de ser chamado, cursa Ciência da Computação e ama jogos eletrônicos. Ele conta que o fato de seus pais, Paulinho e Marilei, conhecerem mais sobre o autismo ao longo dos anos, fez com que eles o entendessem melhor. Em 2013, ele foi personagem da reportagem Infinito Particular*, publicada na edição 58 da FV, na qual tem sua história contada. Na época, afirmou que aos 23 anos – idade que tem atualmente – gostaria de pintar o cabelo de vermelho. Hoje, ele continua com o propósito e acrescenta: “do mesmo tom que o da minha educadora física”.

Enquanto associação, os participantes realizam inúmeros encontros com profissionais atuantes em especialidades voltadas às pessoas do espectro, que compartilham informações acerca do autismo, e também pais que dividem experiências. A direção emite aos autistas uma carteira própria da AMA para que possam garantir a preferência nos espaços, pois são consideradas pessoas com deficiência na legislação. 

Assegurar a aplicabilidade dos direitos das pessoas autistas descritos na lei é mais uma das ações da entidade. “Acompanhamos na rede pública, estadual, municipal e particular a garantia de um professor auxiliar em sala de aula; a prática do direito de preferência no transporte público e filas; e reivindicamos junto à Secretaria de Saúde a ampliação de profissionais capacitados para trabalhar com pessoas do espectro, bem como o acesso gratuito a terapias de estimulação precoce pelos autistas", frisa Paulinho. 

"Uma em cada 54 crianças é diagnosticada com espectro autista. O TEA é 4 vezes mais comum em meninos do que em meninas". Fonte: Centro de Controle e Prevenção de Doenças (EUA)

Cerca de 150 famílias são associadas à AMA Oeste e uma gama de profissionais da educação e da saúde participam e contribuem para a construção da entidade. Dentre eles, estão professores, psicólogos, médicos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais, que orientam sobre as possibilidades terapêuticas existentes para o Transtorno do Espectro Autista, ressaltando que existe medicamento, mas também especialistas que desenvolvem métodos próprios de atendimento a eles, a exemplo de dentistas e musicoterapeutas. 

Embora já realize ações fundamentais em prol da causa autista, a direção quer ir além. Um Centro de Atendimento Especial com foco no atendimento a pessoas do espectro autista – Caesp AMA Oeste, está em fase de estruturação. O projeto passa por análise no Conselho Estadual de Educação/SC.  “A grande dificuldade hoje é ter profissionais para diagnosticar o autismo”, esclarece o presidente. Até o fechamento desta reportagem, mais de 400 pessoas estavam na lista de espera do Sistema Público de Saúde de Chapecó aguardando atendimento/acompanhamento de paciente em reabilitação do desenvolvimento neuropsicomotor. 

Nestes sete anos de trabalho, a organização vem colhendo frutos positivos e é inspiração para muitas famílias, como a de Kauana. “Através da associação, conhecemos profissionais que estudam sobre o TEA e nos orientam sobre a socialização com o autista, a partir da compreensão de suas peculiaridades. Ela também nos oportuniza o contato com pais que têm vivências semelhantes às nossas e com os quais trocamos ideias e nos apoiamos”, expressa o pai, com olhar de gratidão. “Para mim, a AMA é uma superação de vida! Nas reuniões me sinto à vontade, porque me entendem e entendo eles também”, finaliza a jovem.  



*A reportagem Infinito Particular foi vencedora do 12º Prêmio de Jornalismo Unimed/SC, na categoria impresso, em 2013, e está disponível em issuu.com/flashvip.  

AUTORA

Mirella Schuch

Futura jornalista. Curiosa e amante da escrita.
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