Uma jornada literária pelo Tibete.
Nestas férias saquei da estante um livro que há muito desejava ler. Como convivo em uma livraria com milhares de títulos disponíveis, o próximo livro que lerei é sempre um cálculo complexo. De modo geral, o que acaba me levando a um livro é a zona de conhecimento que ando frequentando no momento. Eu vinha da perda do meu pai que havia falecido em dezembro depois de uma longa doença. Livros ancestrais como o I Ching e o Livro Tibetano dos Mortos me ajudaram a atravessar a tempestade. Fiquei muito satisfeito em perceber que meu amor pelos livros tiveram um papel fundamental para a minha sanidade. A sabedoria vinda das montanhas e planícies asiáticas estava em meu horizonte e em meu espírito.
Bateu uma curiosidade para saber como era viver no Tibete. Anos atrás eu havia assistido ao filme hollywoodiano que tornou Sete anos no Tibet uma referência cultural, tendo Brad Pitt como protagonista. Agora era a hora de ler o livro que originou o longa- -metragem, já que filmes baseados em livros são recortes, não conseguem abranger a complexidade narrativa de uma obra literária. Por isso não é redundante assistir ao filme Ainda estou aqui e depois se debruçar sobre o livro de Marcelo Rubens Paiva. Cada versão – a cinematográfica e a literária – apresenta filigranas e sabores distintos.
Sete anos no Tibet é uma história real, contada pelo montanhista Heinrich Harrer que durante a Segunda Guerra Mundial precisou se refugiar na cidade proibida de Lhasa, capital do Tibete. Trata-se de uma formidável viagem no tempo e no espaço até o Tibete antes da invasão chinesa. Por ser um cidadão austríaco, país que se alinhara ao Eixo após a Anschluss (anexação nazista), Harrer foi considerado inimigo e aprisionado pela Índia, país onde se encontrava e que, na época, era um protetorado britânico. Após uma fuga cinematográfica desde a Índia atravessando planícies e montanhas, livrando-se de ladrões e da má vontade de autoridades, Harrer e seu amigo Peter Aufschnaiter chegam a Lhasa onde são finalmente acolhidos e passam a conviver na corte do então jovem Dalai Lama (que hoje possui 89 anos!).
Os capítulos são uma aula sobre o Tibete e o budismo tibetano. O montanhista-escritor não tinha pretensões literárias e seu livro é algo raro hoje em dia: um relato desprovido de vaidades, dedicado a contar ao Ocidente o que seus olhos viram neste que era um dos reinos mais isolados e pacíficos do mundo na década de 1940. Após se tornar tutor do Dalai Lama, acompanhamos de camarote o desenvolvimento intelectual do líder político e espiritual do Tibete até sua fuga e exílio na Índia. Dedicar-se a este livro é uma experiência ao mesmo tempo cultural e espiritual.
Fernando Boppré