Graças ao avanço da medicina, hoje é possível conviver com o vírus HIV, mas número de casos identificados ainda preocupa profissionais da saúde
Entre os anos de 1980 e 1990, medo era uma reação comum a manchetes de jornais e revistas da cultura popular. Nomes como Freddie Mercury, Renato Russo, Cazuza, Claudia Magno e Lauro Corona atraíram luz para o que se tornou a principal preocupação sanitária na época: a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – Aids. Infelizmente, estes artistas já não integram a estimativa da Organização Mundial da Saúde de 38 milhões de pessoas convivendo com o HIV no mundo todo atualmente. Antes intratável, este vírus – que já foi apelidado de “câncer gay” por ser transmitido de forma sexual e identificado principalmente entre homossexuais durante o século passado – hoje possui tratamento gratuito via Sistema Único de Saúde, que garante uma vida normal e com menos preocupações. Perde-se o medo, baixa-se a guarda e ficam os preconceitos.
Não existem palavras para descrever o misto de sentença de morte com a perda de chão que é um diagnóstico de HIV, como explica Geraldo (nome fictício adotado para preservar a identidade da fonte), que descobriu a infecção quando soube que a parceira com quem mantia relações sexuais havia ficado doente de forma abrupta. Felizmente, pelo diagnóstico precoce e a administração correta das medicações, Geraldo livrou-se de complicações graves da doença. “Me senti acolhido pelo serviço de atendimento e pelos profissionais. Em conversas com a médica que me acompanha, percebi que o tratamento evoluiu a passos largos ao longo do tempo. O que outrora era uma certeza de ter a vida tolhida, hoje podemos conviver ‘seguros’, pois temos fármacos eficientes para o controle da patologia”, afirma o residente de Chapecó.
O HIV é o Vírus da Imunodeficiência Adquirida e causador da Aids, mas nem todas as pessoas que convivem com o HIV apresentam sintomas e desenvolvem a doença. Não existe grupo de risco, hoje se compreende que há comportamentos de risco: a transmissão do HIV pode se dar através de relações sexuais desprotegidas, do compartilhamento de materiais perfurocortantes contaminados, como agulhas, e de forma vertical - da mãe para o filho, durante a gestação, parto ou amamentação. Importante lembrar: beijos e abraços não transmitem HIV.
O Vírus da Imunodeficiência Humana ainda não tem cura, mas os avanços científicos possibilitam hoje aos que vivem com o HIV levarem uma vida normal com qualidade. É possível, inclusive, tornar o vírus intransmissível através do tratamento com antirretrovirais. Dependendo da medicação empregada, pode levar até seis meses para que a carga viral fique indetectável. Este é um grande marco, porque estando com o vírus intransmissível, a pessoa que convive com o HIV se sente mais encorajada a iniciar um novo relacionamento e ter relações sexuais, melhorando consideravelmente a autoestima.
Há mais de 30 anos, o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids – GAPA de Chapecó atua ativamente na luta por políticas públicas sanitárias eficientes, realiza ações e projetos de testagem e prevenção contra ISTs, conscientiza contra o preconceito e a discriminação e proporciona cuidados, assistência e ajuda às pessoas portadoras do HIV. A organização sem fins lucrativos atua também na prevenção da saúde mental de jovens, no respeito às orientações sexuais e identidades de gênero e contra a importunação e violência sexual de crianças e adolescentes.
Em Chapecó, o SAE - Serviço de Atendimento Especializado em HIV/Aids da Prefeitura atende vítimas de violência sexual, pessoas expostas a fluidos que foram infectadas durante o trabalho (como profissionais da saúde, bombeiros, policiais e profissionais do sexo) e a população em geral, orientando sobre a prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis e realizando testes rápidos de HIV, Sífilis e Hepatites B e C. O Serviço também fornece preservativos masculinos e femininos, lubrificantes e a PEP - Profilaxia Pós-Exposição.
A Profilaxia Pós-Exposição ao HIV é uma medida de prevenção de urgência que pode ser utilizada em situação de risco à infecção pelo vírus. O início da profilaxia deve ser o mais precoce possível, até no máximo 72h após a exposição.
Graças ao tratamento, Geraldo pôde construir uma vida com mulher e filhos de forma mais tranquila. Ele conta que a esposa é a única que tem ciência do quadro clínico. "Optamos por manter entre nós, ao menos por enquanto. Ainda convivemos com o maior inimigo do tratamento, que é o vírus da ignorância, e para este não há tratamento eficiente”. Ter um ambiente de apoio seguro, manter a medicação em dia, uma rotina de cuidados com a saúde física e mental e realizar acompanhamento médico são medidas que tornam possível viver com o vírus de forma harmoniosa, como conta o entrevistado.
A enfermeira Vanise Putzel, coordenadora do SAE, lembra que o Serviço está de portas abertas das 7h às 19h, sem fechar ao meio-dia, para acolher as pessoas que por ele buscarem, sem julgamentos. “Temos uma equipe qualificada e preparada para empoderar as pessoas. Sempre digo que quando alguém inicia o tratamento aqui no setor, nunca mais estará sozinho, porque terá a família SAE consigo”.
Embora o acolhimento a portadores do HIV tenha se expandido nos últimos anos e o Brasil tenha tido um declínio de 11,1% de novos casos entre 2019 e 2021 – com 40 mil novos casos no ano passado –, a taxa de novas infecções ainda é alarmante. A falta ou ineficiência de políticas de testagem e prevenção reflete o estigma que ainda existe sobre o vírus. Vanise reforça a importância do diagnóstico precoce das ISTs e, neste sentido, é fundamental a realização de exames de sangue pelo menos duas vezes por ano, que podem ser feitos no SAE ou nas unidades básicas de saúde. “Muitas vezes a pessoa nem sabe que está com o vírus, é diagnosticado antes mesmo de ter os primeiros sintomas e iniciando logo o tratamento, responde melhor aos medicamentos, com uma qualidade de vida boa”.
O teste rápido é sigiloso, gratuito e individual. Algumas gotinhas de sangue são coletadas através de uma picadinha no dedo e a iniciativa pode salvar sua vida!
No dia 1º de dezembro deste ano, uma ação foi realizada pelo SAE na Associação dos Diabéticos em Chapecó, com o intuito de chamar a comunidade para a testagem rápida, oferta de preservativos e orientação. As expectativas foram mais do que alcançadas: 195 pessoas foram atendidas, contabilizando 780 testes rápidos (cada usuário fez 4 testes - HIV, Sífilis e Hepatites B e C). Na ocasião, também estavam presentes profissionais de Psicologia para empoderar as pessoas a fazerem o teste e oferecer acolhimento e orientação aos que tiveram o teste positivo. O objetivo é que as testagens sejam realizadas durante todo o ano, nos Serviços de Atenção Básica dos municípios, por toda a população.
Geraldo percebe que os estudos avançaram desde o surgimento dos primeiros casos de HIV/Aids, mas que ainda há muito o que se fazer. “Esse tema precisa ser prioridade, afinal, por vezes, ao precisarem cortar gastos, os governantes geralmente o fazem na ciência e tecnologia, comprometendo o sucesso de pesquisas científicas. Tenho esperança que o futuro nos traga possibilidades de estarmos livres da patologia, do preconceito, do medo, do vírus e que nossos filhos aprendam que a prevenção sempre é o melhor caminho”, expressa.
E falando em prevenção, a enfermeira Vanise lembra que o preservativo protege para além do HIV, também de outras ISTs e deve ser usado no sexo vaginal, oral e anal, do início ao fim da relação, e de maneira correta. A profissional também orienta que o preservativo não pode ser guardado na carteira e exposto ao sol, e o lubrificante deve ser à base de água, porque pode danificar a borracha e dar a falsa sensação de proteção. Tanto as camisinhas feminina e masculina quanto os lubrificantes estão disponíveis de forma gratuita no SAE e nos postos de saúde. Não precisa fazer cadastro, é só chegar e pegar.
A coordenadora do SAE finaliza sensibilizando as pessoas a fazer um convite: “Quando você inicia um relacionamento, convida o parceiro(a) para ir ao shopping, para comer, se divertir… Por que não fazer um convite diferente, um convite para a prevenção? Que legal seria iniciar um relacionamento indo a uma unidade básica de saúde juntos, para conhecer a condição sorológica da pessoa e reforçar a sua, e ter orientações corretas sobre a utilização da camisinha. Quem ama, cuida!”.
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Revista Flash Vip, contando histórias desde 2003.