O universo criativo de Davi Bressiani Bohrer, transforma vivências pessoais em quadrinhos que dialogam com temas sensíveis, misturando humor, crítica e um toque de sarcasmo.
No silêncio dos traços, o jovem Davi Bressiani Bohrer, de 16 anos, encontra sua voz. O jovem tem Síndrome de Asperger e transforma seus desafios cotidianos em arte, criando histórias em quadrinhos que não apenas refletem sua realidade, mas também dialogam com temas sensíveis que muitas vezes são ignorados ou tratados com descaso.
A jornada de Davi no mundo literário começou com seu primeiro livro, “Rabiscos de uma mente juvenil”, uma história em quadrinhos cujos protagonistas são Davi e Guará, sua consciência representada por um lobo-guará. Nessa obra, ele aborda temas complexos de maneira criativa e envolvente, estabelecendo o tom de suas produções.
Além disso, Davi criou o Instagram “Gael, o Fantasma”, onde compartilha tirinhas de humor leve e reflexivo, abordando situações cotidianas e questões sociais de maneira acessível e divertida. Gael é uma extensão de sua criatividade, conquistando seguidores com seu olhar único sobre o mundo.
O segundo livro de Davi, “Rasuras de uma mente juvenil”, marca uma mudança de formato, sendo sua primeira obra apenas escrita. Nesse projeto, ele apresenta seus pensamentos e desabafos, um convite ao universo complexo de um adolescente que enfrenta questões como preconceito, incompreensão e a luta para ser ouvido. Com um humor sarcástico e um olhar crítico, Davi se coloca como personagem principal de suas narrativas, explorando as nuances do mundo e as camadas de sua mente criativa.
“Como escrevi na contracapa, é um desabafo, onde falo assuntos que me magoam e que podem magoar muitas pessoas no Brasil também, principalmente os autistas. Vocês podem esperar um livro de um adolescente aborrecido, tentando entender os assuntos que ele mais odeia”, define.
Desde pequeno, Davi já demonstrava afinidade com o desenho, ainda que suas primeiras criações fossem rudimentares. “Quando eu tinha entre quatro e cinco anos, fazia desenhos simples, bonecos de palito. Mas, nessa fase, comecei a me apaixonar por quadrinhos de super-heróis, especialmente do Homem-Aranha”, relembra. Inspirado pelo personagem, ele chegou a criar pequenos gibis feitos à mão, colando as páginas com fio de cola, e iniciou sua jornada de aprimoramento artístico.
Mas foi em 2022 que duas referências marcaram profundamente sua evolução. “Descobri a série ‘Entrelinhas Pontilhadas’, do autor italiano Zerocalcare, e a HQ ‘Scott Pilgrim contra o Mundo’, de Bryan Lee O’Malley. Zerocalcare me inspirou com seu estilo narrativo, colocando a si mesmo como personagem e dialogando com uma consciência cheia de humor e críticas. Já o visual cartunesco e expressivo de Scott Pilgrim me mostrou um novo horizonte artístico”, explica.
Seu processo de criação é meticuloso. Ele define o formato – seja A4 ou webcomic –, escolhe o tema, elabora o enredo e inicia os rascunhos digitais. “Dependendo do formato que escolher, vou fazendo o rascunho de acordo com a ordem de leitura, e também de acordo com o que eu planejei para desenhar. Trabalho digitalmente, o que me permite explorar sombras e luzes com precisão. É como dar vida ao que está na minha cabeça”, descreve.
“Rasuras de uma mente juvenil” surgiu de uma necessidade visceral de expressão. Durante uma feira de empreendedorismo no colégio, Davi decidiu criar uma HQ abordando assuntos que considera pesados e insensíveis. “Percebi que muitos autistas, como eu, preferem ‘rasurar’ temas difíceis, evitando confrontá-los diretamente. Eu, por outro lado, quis falar sobre eles, pesquisando citações, ditados e até falas de famosos para sustentar minhas reflexões”. A HQ mistura humor, sarcasmo e honestidade.
Davi não para de criar. Ele já planeja seu próximo trabalho, intitulado “Dessintonia”. “Normalmente associam o autismo à ideia de sintonia, mas eu não me sinto conectado às pessoas da mesma forma que elas se conectam entre si. Daí o nome Dessintonia. Quero fazer uma webcomic que simule um vídeo de internet, com quadros que se afastam progressivamente, criando uma narrativa visual única. Estou muito animado para começar durante as férias”.
Mais do que quadrinhos, Davi constrói pontes. Suas histórias oferecem um espaço para reflexões, risadas e empatia, revelando que a arte pode ser um poderoso instrumento de expressão e conexão. Com dois livros publicados e um próximo trabalho em andamento, Davi inspira outros jovens autistas a encontrarem sua voz, provando que os rabiscos e rasuras de uma mente inquieta têm o poder de transformar realidades.
Carol Bonamigo