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13/12/2022 andarilho

Sentinelas da cura

O chamado celestial

No dia em que a terra parou, tudo o que era movido pelo desejo parou também. A ameaça desconhecida chegou repentinamente invisível aos olhos mais atentos dos seres humanos, que levavam suas vidas como sempre a levavam. A incerteza sobre a vida e também sobre a morte iminente tomaram conta da plenitude do viver. No globo terrestre, os seres humanos são tomados pelo medo do desconhecido e logo tudo vira um caos.

Isolamento imprescindível, o choque pela ruptura da rotina nos leva a refletir sobre o fim, sendo a sobrevivência o único objetivo. Logo os hospitais começam a receber os enfermos e uma curva vertiginosa ascende, provocando o desespero de todos: daquele que quer ser tratado, daquele que trata e dos costumes, que já não eram mais os mesmos.

Nesse cenário desolador, a oração firma a fé. São convocados todos os coros angelicais do cristianismo, anjos da primeira, segunda e terceira esfera. Serafins, querubins, tronos, domínios, virtudes, autoridades, principados, arcanjos e anjos. Também são convocados todos os elementais, os ancestrais, todas as divindades do espiritualismo africano, europeu, indígena e de todos os grupos vivos que creem. A fé que habita em cada um procura refúgio em seus próprios deuses.

Na exposição “Sentinelas da cura”, apresentada pela artista India Prado, que estava em exibição no Memorial Attílio Fontana, em Concórdia, o tempo que passa é registrado pelo caos ao desconhecido, as incertezas sobre a pandemia do vírus mortal, as consequências para com as relações sociais afetivas e sobre toda a fragilidade que foi – e que ainda é – viver sob a incerteza de um novo dia. As produções simbólicas se situam na angelologia cristã, mas é, ao mesmo tempo, sincrética.

Na proposição narrativa da artista, as sentinelas da cura trabalham exaustivamente para proteger os seres humanos no período de pandemia. Conscientes das demandas na Terra, tentam controlar com um novelo de lã a inevitável consequência dos nossos hábitos e amparam os corações danificados pelas diversas e diferentes perdas no período. Muitas vezes não operam milagres, mas sempre assistem cuidadosamente os nossos passos e fazem o possível para mediar o sentimento de dor. O rezo e a sua mensagem de súplica não difere na cor, nem na língua, no gênero ou na crença. Desde São Rafael Arcanjo até a benzedeira, os curadores são as mãos que acolhem, que operam ou que se juntam, conectados, em oração ao desejo de sobreviver.

India Prado percorre a fé individual e coletiva, nas dores íntimas e do todo, numa visão projetada para as esferas energéticas que são superiores às nossas compreensões terrenas. A exposição é um registro da história recente do mundo, retratada a partir da fé e do esforço divino em derrotar um inimigo invisível, capaz de ceifar mais de 6 milhões de pessoas no planeta. Um tempo marcado pela dor e pela esperança, que nunca deixará de reverberar dentro de cada um.

AUTOR

Artêmio Filho

Colunista convidado da FV, é administrador, produtor e gestor cultural de Concórdia, na Sabiá - Gestão Criativa
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