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05/12/2024 especial

Nós esquentamos o planeta

Como chegamos até aqui, as principais consequências e de que forma a humanidade busca salvar a terra

A primeira Revolução Industrial terminou em meados de 1850. Dessa época até 2015, o nível de CO2 passou de 280 partículas em suspensão (ppm ou parte por milhão) para quase 400.

O que Charles Chaplin não imaginava quando roteirizou, dirigiu e protagonizou o filme Tempos Modernos (1929), uma crítica sobre as mudanças da Revolução Industrial na vida do homem, era que o cenário em pauta teria também efeitos no planeta.

O aumento das emissões de gases na atmosfera terrestre leva ao acontecimento de um termo nada novo, o efeito estufa. Ele corresponde a uma camada composta principalmente por gás carbônico (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e vapor d’água. Desde o início da vida no planeta, parte da radiação solar que chega à Terra é refletida e retorna diretamente para o espaço. Outra parte é absorvida pelos oceanos, pela superfície terrestre e uma terceira é retida por esta camada de gases que causa o chamado efeito estufa.

A grande questão não é esse efeito natural em si, mas o agravamento dele. O que ocorre, desde meados do século XIX, é que muitas atividades humanas passaram a emitir uma enorme quantidade de gases formadores do efeito estufa. A camada tem ficado cada vez mais espessa, mantendo mais calor na Terra, aumentando a temperatura da atmosfera terrestre e dos oceanos e ocasionando o aquecimento global.

O aumento de eventos extremos climáticos é uma consequência dessa situação. Tempestades tropicais, inundações, secas, nevascas, furacões, tornados, tsunamis e ondas de calor estão na lista das consequências diretas do aquecimento global.

O catarinense doutor em Administração pela FEA-USP, Cleonir Tumelero, sentiu o resultado das mudanças climáticas do outro lado do planeta, na Ásia. No último ano, ele trabalhou como voluntário em países como Índia, Nepal, Tailândia e Camboja, no Sul e Sudeste Asiático, regiões que marcaram altas de até 52,9 oC, as maiores já registradas.

O governo da Tailândia, onde pelo menos 30 pessoas morreram vítimas do calor, cancelou aulas, emitiu alertas e uma nota informando não ser possível contabilizar exatamente quantas vidas foram perdidas com o fenômeno. “Foi um choque de realidade, pois vi pessoas passando mal e também senti os efeitos do clima em descontrole”, disse.


Entre 2000 e 2020, mais de 50 mil mortes foram associadas às ondas de calor em 14 regiões metropolitanas brasileiras, o número é 20 vezes maior do que o de pessoas que morreram por deslizamentos. (Fonte: UFRJ)


O ANO COM A MÉDIA MAIS QUENTE, ATÉ AGORA

No verão de 2024 para 2025, a temperatura média global ficará mais de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, conforme dados do Serviço de Mudança Climática do Observatório Europeu Copernicus (C3S). O mês de outubro foi o segundo mais quente já registrado globalmente, porque teve uma temperatura média do ar de superfície 0,80°C acima da média de outubro de 1991-2020. Essas datas são utilizadas como referência em função desse período representar um “ponto médio” do aumento da temperatura global, antes das mudanças climáticas ocasionarem grandes efeitos como atualmente.


OS EVENTOS EXTREMOS

A responsabilidade por 70% da emissão global de gases que acarretam o aquecimento climático é das áreas urbanas. Mesmo que as cidades cubram apenas 3% da superfície do globo, elas contribuem de forma crítica para a situação atual. As cidades são capazes de modificar os fluxos de calor e umidade, afetar a química e a composição atmosférica local, além da dispersão da poluição do ar. Mas não é só isso. O acúmulo de concreto utilizado para construção de edificações, somado à impermeabilização do solo, através das estradas, e o déficit de áreas verdes, resulta na receita perfeita para falta de escoamento em situações de chuva torrencial.

Um estudo do grupo internacional de cientistas especializados em assuntos climáticos, World Weather Attribution (WWA), revelou que as mudanças climáticas aumentaram em duas vezes a probabilidade de ocorrência das chuvas históricas no Rio Grande do Sul, entre o final de abril e início de 2024. A pesquisa também apresentou o fenômeno natural El Niño, conhecido por trazer condições chuvosas à região como fator ocasionador semelhante das chuvas. As falhas na infraestrutura foram responsáveis por piorar os danos.

Essa tragédia tirou a vida de 182 pessoas e deixou 64 desaparecidas em 85% dos municípios do estado gaúcho. No total, mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas. Deise Silva morava no bairro Sarandi, em Porto Alegre/RS, um dos mais populosos da cidade. “Foi horrível, nosso apartamento é no térreo e perdemos absolutamente tudo. Foi como uma onda, não deu tempo de nada. Uma história de 20 anos de casados na lixeira. Meus pais e meus sogros também perderam tudo, então fechamos a porta e estamos morando em Portugal”, conta. Deise e o marido já tinham planos de morar na Europa, a tragédia só antecipou a viagem. Ela precisou de ajuda psicológica após a tragédia e ainda diz estar em processo de recuperação. 

“Muitas pessoas que conheço ainda estão em choque, sem apoio, e a grande maioria não tem por onde começar. Em breve meus pais também virão a Portugal”, destaca Quatro meses depois do maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul, a Europa Central também sofreu com os temporais.

Áustria, Polônia, República Tcheca e Hungria foram alguns dos países afetados pelas chuvas extremas de setembro, que deixaram 24 vítimas fatais e geraram danos na casa dos bilhões de euros. Outra pesquisa do grupo WWA trouxe o mesmo resultado: as mudanças climáticas dobraram a probabilidade de catástrofe de inundações na Europa Central. No hemisfério norte, o fenômeno meteorológico Boris contribuiu com o aumento das chuvas.


A MAIOR NUVEM DE FUMAÇA

Se de um lado chove, do outro faz seca. Os eventos climáticos extremos citados no início desta reportagem proporcionam uma cadeia de eventos com consequências diretas e indiretas. O Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, divulgou no fim de agosto que o Brasil enfrenta a maior seca já vista na sua história recente. A maior estiagem da história do nosso país afetou 1.400 cidades em nível extremo ou severo e foi pior na faixa norte do Paraná, de São Paulo, em Minas Gerais, em todos os estados do Centro-Oeste, no Distrito Federal, no interior do Nordeste, no Tocantins, no sul do Pará, Amazonas, Acre e em Rondônia. Nesses locais não choveu de maneira significativa por pelo menos 120 dias.

A intensificação e o prolongamento das secas ocorrem por diversos fatores, mas um dos principais é o aquecimento das águas dos oceanos, que pode impactar no fornecimento de umidade para as chuvas. Em junho, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou que 2023 foi o ano mais quente já registrado para as temperaturas oceânicas. A temperatura do oceano no Atlântico Sul e ao longo de toda a costa brasileira está 2°C acima da média histórica.

O clima mais seco contribui para o avanço do fogo. Um relatório da Polícia Federal mostrou que o Brasil possuía 3.500 focos de incêndio no dia 14 de setembro de 2024. No mesmo mês, em função da perda de umidade no solo, o país contava com quase 5 milhões de quilômetros quadrados em condições de risco para incêndios. São Paulo, Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul foram os estados mais afetados com as queimadas. Grande parte dos incêndios atingiram a vegetação nativa, prejudicando ainda mais o bioma brasileiro. A ação humana está no topo da lista das causas, principalmente em perda de controle acidental do fogo, durante o manejo feito por moradores locais.

Foram 5,65 milhões de hectares queimados, o que fez 531 municípios decretarem situação de emergência e um dominó de consequências. A fumaça das queimadas formou uma cortina de poluição em quase todo território nacional, afetando também outros países da América do Sul.

Chuvas extremas em um curto período de tempo têm duas vezes mais probabilidade de ocorrer, e com 20% mais de intensidade, no clima atual do que em um mundo sem aquecimento global. A previsão é de que o risco e a gravidade de tais desastres aumentem.

Santa Catarina trouxe a pauta antes mesmo das queimadas. O tema foi abordado pelo edital 29/2024, lançado em junho deste ano pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), em parceria com o Instituto do Meio Ambiente (IMA).

A gerente de Ciência e Pesquisa da Fapesc, Larissa Waskow, afirma que os projetos selecionados pelo edital 29/2024, irão apoiar a infraestrutura e o uso de tecnologias para inventário de emissões atmosféricas, monitoramento e controle da qualidade do ar. O edital vai fomentar com R$ 3 milhões dois estudos que contribuam com a melhoria da gestão da qualidade do ar no Estado: um inventário de emissões atmosféricas e outro, sobre emissões atmosféricas das atividades pecuárias.

Um estudo inédito feito pelo Grupo de Trabalho do Observatório do Clima e lançado em outubro deste ano, sugere caminhos para o Brasil chegar a 2050 com a emissão de dióxido de carbono (CO2) 80% menor do que é emitido atualmente.


“Desenvolver pesquisas sobre a qualidade do ar em Santa Catarina traz subsídios para decisões estratégicas de gestão das cidades. O conhecimento científico é a principal ferramenta para elaboração de políticas públicas”, enfatiza a gerente de Ciência e Pesquisa da Fapesc.


CIDADES INTELIGENTES

Cleonir Tumelero, do início da reportagem, conheceu diversos projetos na Ásia envolvendo soluções para as consequências das mudanças climáticas. Um deles são as cidades esponja, uma saída urbanística encontrada para que a natureza, os impactos climáticos e as estruturas urbanas convivam de uma maneira mais inteligente. O conceito envolve a absorção de água em ambientes urbanos através de diferentes fatores, como a criação de áreas verdes, reconstrução da margem dos rios, implementação dos chamados “jardins de chuva” espalhados pela cidade, pavimentação permeável, que é capaz de minimizar a fragmentação, as rachaduras e o assentamento irregular das partes asfaltadas ou concretadas e ainda os chamados telhados verdes.

A professora da Unoesc, Jane Meira Pilotto, é doutora em Gestão Ambiental e pioneira no assunto, estuda a temática há mais de 20 anos. Sua tese de doutorado, publicada em 2003, nomeada “Rede Verde Urbana: um instrumento de gestão ecológica”, apresentou um método de projeto paisagístico, desenvolvido para as grandes cidades, uma possibilidade de contribuição na melhoria da qualidade dos ambientes urbanizados, interagindo com as espécies da fauna e da flora. Jane é professora da matéria Paisagismo Ecológico do curso de Arquitetura e Urbanismo, e trabalha com os acadêmicos de que maneira os jardins podem contribuir com a diminuição do preço das mudanças no planeta.

“Precisamos parar de impermeabilizar o solo, ampliar as áreas verdes urbanas e incluir soluções que diminuam as chamadas ilhas de calor, limpem o ar e facilitem a drenagem de água”, explica. O tema da tese de doutorado também se transformou em cursos. Há 24 anos ela ministra qualificações sobre Paisagismo Ecológico, ensinando pessoas sobre como e porquê criar jardins urbanos é tão importante. “A importância da informação nesses casos também é grande. É preciso identificar quais são as espécies corretas em cada localização. Plantas que não pertencem àquele ecossistema são capazes de matar as outras”, alerta.

Jane mora em Florianópolis/SC e exerce a função de professora à distância, mas algumas vezes por ano mostra aos acadêmicos na prática os erros e os acertos do urbanismo. Ela acompanha os estudantes para as áreas verdes de Chapecó, a exemplo do Ecoparque, ambiente amplamente conhecido na região. Conforme o secretário de Desenvolvimento Urbano e Sustentável de Chapecó, Valmor Scolari, o município tem uma das maiores áreas verdes de Santa Catarina, cobra a preservação desses espaços em novos loteamentos e possui um plano próprio de arborização.

Ainda segundo Scolari, a respeito das mudanças climáticas e como consequência os eventos extremos, Chapecó é pioneira no sentido de diagnóstico socioambiental.

“Foram levantadas todas as áreas com possibilidade de alagamento, deslizamento e questões hidrográficas. Estudos feitos pelas universidades e incluídos no Plano Diretor, onde já coloca em prática as soluções relacionadas à drenagem, a exemplo da realizada nos últimos tempos no Bairro Santa Maria”, argumenta.


SUSTENTABILIDADE EM PAUTA

A capital do Oeste também se destaca por soluções na prática. Questões de melhoria no sentido de sustentabilidade são discutidas em Chapecó pelo Núcleo de Sustentabilidade da Associação Comercial e Industrial de Chapecó (ACIC) há sete anos. Conforme o coordenador do Núcleo, Roberto Deitos, a principal pauta é de que forma a cidade pode, diariamente, melhorar as condições sustentáveis, levando em consideração os pilares ambiental, social e governamental. O grupo de 10 integrantes se reúne mensalmente, não tem fins lucrativos e é composto por profissionais de áreas distintas como advogados, arquitetos, engenheiros e outros.

“Entendemos que pequenas atitudes do dia a dia fazem a diferença, como troca de sacolas plásticas por ecobags, realizar a compostagem, pensar no consumo de matérias-primas”, reflete.


reportagem DIANA HEINZ

AUTORA

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Revista Flash Vip, contando histórias desde 2003.
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